Falece o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim
A ABEA manifesta seu profundo pesar pelo falecimento de um dos mais importantes arquitetos e urbanistas brasileiros deste último século, Jorge Wilhem. Seu falecimento ocorreu no último dia 14 de fevereiro após um período de dois meses internado em decorrência de um acidente de carro. Apesar de ter nascido em Trieste, na Itália, Wilheim veio para o Brasil com 12 anos de idade e aqui se formou arquiteto (na Universidade Mackenzie) e por 60 anos dedicou-se a arquitetura e urbanismo em seu sentido mais amplo, não limitando-se a desenvolver importantes projetos, mas também atuando como administrador público e pensador urbano. Sem dúvida foi e continuará sendo um grande exemplo para gerações de estudantes de arquitetura e urbanismo. Perfil da Enciclopédia Itaú Cultura Artes Visuais:
Jorge Wilheim (Trieste, Itália 1928). Urbanista, arquiteto, administrador público, político e ensaísta. Forma-se, em 1952, pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vence, nesse ano, concurso fechado para a elaboração do projeto hospitalar da Santa Casa de Jaú, então abre escritório próprio para desenvolvê-lo. Depois é convidado a projetar em Mato Grosso duas clínicas em Campo Grande e, em 1954, a conceber o projeto urbanístico da cidade de Angélica, para 15 mil habitantes, atualmente as duas cidades localizadas no estado do Mato Grosso do Sul. Em 1957, participa do concurso para a realização do ante-projeto de plano diretor de Brasília, com Maurício Segall, Pedro Paulo Poppovic, Péricles do Amaral Botelho, Riolando Silveira, José Meiches, Rosa Kliass, Arnaldo Tonissi, Odiléia Helena Setti e Alfredo Gomes Carneiro. Cinco anos mais tarde, associado a Carlos Millan (1927-1964) e Maurício Tuck Schneider, vence o concurso para a construção do Edifício Jockey Club de São Paulo, no Largo do Ouvidor.
A partir de meados da década seguinte, realiza inúmeros planos diretores para cidades em desenvolvimento, como Curitiba, Paraná, e Joinville, Santa Catarina, em 1965; Osasco, São Paulo, em 1966; Natal, Rio Grande do Norte, em 1967; e Goiânia, Goiás 1968, e lança também seu primeiro livro: São Paulo Metrópole 65. Concebe e coordena, em 1969, o projeto do Parque Anhembi, em São Paulo, cujas instalações incluem o Pavilhão de Exposições, o Palácio das Convenções e um hotel. Elabora a convite da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb), o projeto de reurbanização do Pátio do Colégio, em 1974. No ano seguinte, ingressa na vida pública como secretário estadual de Economia e Planejamento, na gestão Paulo Egydio Martins, entre 1975 e 1979. Em 1981, associado a Rosa Kliass e Jamil Kfouri, vence o concurso para a reurbanização do vale do Anhangabaú, construído e inaugurado dez anos mais tarde. No governo Mário Covas, de 1983 a 1986, é o titular da Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla), e coordena a elaboração do plano diretor de São Paulo de 1984 (não efetivado). Em 1985, auxiliado por Jonas Birger, projeta o Centro de Diagnósticos do Hospital Albert Einstein, e torna-se, no mesmo ano, presidente da Fundação Bienal de São Paulo.
No governo Orestes Quércia, de 1987 a 1991, é nomeado secretário estadual do Meio Ambiente e, na administração seguinte, de Luiz Antônio Fleury Filho, entre 1991 e 1994, ocupa a presidência da Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo (Emplasa). Em 1994, a convite da Organização das Nações Unidas (ONU), muda-se para Nairóbi, no Quênia, e assume o cargo de secretário-geral adjunto da Conferência Mundial Habitat 2, realizada em 1996, em Istambul. Turquia. De volta ao Brasil, retoma projetos de planos diretores para cidades como Campos do Jordão, São Paulo, em 2000, e Araxá, Minas Gerais, em 2002, além de realizar o projeto da cidade industrial de Londrina, Paraná, em 1997. Retorna à vida pública na administração da prefeita Marta Suplicy, entre 2001 a 2004, novamente como presidente da Sempla, e coordena a elaboração do plano diretor estratégico de 2002. Nesse período, publica o livro Tênue Esperança no Vasto Caos: Questões do Proto-Renascimento do Século XXI, em que procura sistematizar sua experiência no campo do urbanismo, lançando perspectivas para o futuro das cidades.
Comentário Crítico Jorge Wilheim é um dos principais urbanistas brasileiros. Com atuação política, que atravessa diversas siglas partidárias, é um expressivo defensor, no Brasil, do chamado “planejamento estratégico”, criado pelos teóricos catalães Manuel Castells (1942) e Jordi Borja (1941). A propósito, é o próprio Castells quem o define, à sua imagem e semelhança, como um “visionário pragmático, sempre interessado nos grandes debates intelectuais, mas também desconfiado da aristocrática alienação de certos teóricos de esquerda”.1
Tal vocação urbanística começa a se definir precocemente a partir do projeto para Angélica, em 1954, no Mato Grosso: uma cidade nova no meio de uma floresta, entre Campo Grande e Dourados, hoje no atual estado do Mota Grosso do Sul. Com apenas 26 anos de idade, recém-formado arquiteto aplica a doutrina funcionalista de Le Corbusier (1887-1965) e cria uma separação funcional, com zonas comerciais e residenciais que se assemelham às superquadras propostas três anos depois por Lucio Costa (1902-1998)para o Plano Piloto de Brasília.
No decorrer de sua carreira, Wilheim vai paulatinamente substituindo a cartilha funcionalista dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciams), por um contextualismo mais voltado para a dimensão humana e para a unidade tipológica, próprias à uniformidade humanista das cidades europeias do século XV ao XIX. Vem daí a sua defesa teórica de um “Renascimento do século 21”, bem como sua metáfora da essência do espaço público como um simples “banco de praça”.2 No campo projetual, essa orientação pode ser percebida em sua obsessão pela pedestrianização de ruas comerciais, como na proposta para a Nova Augusta, em 1973, que bloqueia a circulação de automóveis em um longo trecho da via, construindo praças escalonadas com degraus, jardineiras e um mobiliário urbano variado. Tal orientação, que também aparece no projeto “Uma árvore quatro vilas”, culmina na proposta para a reurbanização do vale do Anhangabaú, em 1981, e feita em parceria com Jamil Kfouri e a paisagista Rosa Kliass, e vencedora de um concurso nacional. O partido do projeto é a construção de um túnel para o tráfego motorizado, criando na cota do vale uma grande laje para a circulação de pedestres, que ganha o caráter de uma extensa “praça pública”. Contudo, dada a magnitude e relevância da obra para a cidade, o chamado parque Anhangabaú revela aspectos particulares da reflexão urbanística de Wilheim, tal como certa valorização da vida a pé, e uma associação esquemática, já um tanto anacrônica, entre identidade cívica e espaço aberto.
No campo da arquitetura, Wilheim projeta e constroi obras importantes, como a sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Serviço Social das Indústrias (Sesi) da Vila Leopoldina, em 1974, a fábrica da Novelprint, 1975, o Centro de Diagnósticos do Hospital Albert Einstein, 1978 – 1985, e, sobretudo, o conjunto do Parque Anhembi, em 1969, em colaboração com Miguel Juliano, no qual se destacam o Palácio das Convenções, abrigando 3,5 mil lugares, e o Pavilhão de Exposições, com uma área de 67 mil metros quadrados. Com a estrutura metálica tubular em treliça espacial, a imensa cobertura é inteiramente montada no chão e erguida por 25 guindastes durante apenas oito horas. Com cálculo do engenheiro anglo-canadense Cedric Marsh, fornecida e montada pela empresa francesa Fichet Schwartz-Hautmont, representa até hoje “a maior estrutura metálica construída no solo e levantada numa só peça em poucas horas.”3
Notas 1 Castelles, Manuel. Um renascentista na metrópole em desenvolvimento. In: WILHEIM, Jorge. A obra pública de Jorge Wilheim: 50 anos de contribuição às cidades e à vida urbana. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2003, p. 07. 2 WILHEIM, Jorge. op. cit., pp. 221-222. 3 WILHEIM, Jorge. op. cit., p. 63.
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